sábado, 26 de março de 2011

A difícil missão de ser simples


Um dos chefs brasileiros mais conhecidos – nacional e internacionalmente –, Alex Atala vive uma fase em que seus pratos são elaboradíssimos, mas levam o mínimo possível de ingredientes. Em entrevista exclusiva, ele fala sobre o assunto e revela o momento que mudou sua carreira

Durante o evento Millésime, em São Paulo, Alex Atala chegou a um workshop de gastronomia uma hora depois do previsto, por conta do trânsito da cidade. Ainda assim, uma plateia ávida esperava, incansável, pela breve aula. Ninguém conseguiu esconder o sorriso quando o chef surgiu, desculpando-se repetidas vezes pelo atraso. Em pouco mais de 30 minutos, ele fez três pratos complexos – servidos no cardápio de seu restaurante, o D.O.M. –, em uma cozinha minúscula e improvisada, como se fosse a tarefa mais natural do mundo. Ravioli de banana,fettuccine de pupunha e filé de arraia foram as receitas que deixaram salivando as dezenas de pessoas presentes na sala.

O que os três pratos têm em comum? A dificuldade da simplicidade. Com essa expressão, Atala define o momento que vive atualmente na cozinha de seu restaurante. No entanto, engana-se quem pensa que o chef trocou o cardápio refinado do D.O.M. pela comidinha de mamãe e de avó, ou pelo arroz, feijão e ovo. “Simplicidade, aqui, significa elaborar pratos complexos, porém usando o menor número possível de ingredientes. Mas isso não é fácil. Para chegar a um resultado de excelência, é preciso extrair o máximo de cada elemento selecionado para a receita. E aí é necessário ter muita técnica”, explica o chef.

Enquanto fazia os pratos, Atala contou aos “alunos” sobre o evento que transformou sua carreira. Oturning point ("ponto de virada", em inglês), como ele se refere ao acontecimento, ocorreu durante uma visita ao restaurante do espanhol Ferran Adrià. Lá, ele experimentou um prato composto por três colheres. Cada uma continha uma combinação de ingredientes que simbolizava um país. O brasileiro adorou o conceito e começou a pensar, imediatamente, em como seria uma quarta colher, que representasse a Amazônia. “Isso transformou minha carreira, porque percebi que, por meio de alguns ingredientes, dá para remeter o pensamento a um canto do mundo. Se eu disser ‘tomate, mussarela e manjericão’, vocês vão pensar em quê?”, perguntou o chef, ao que toda a classe respondeu: “Itália”.
Em uma breve conversa com o site de Casa e Comida, Alex Atala dá mais detalhes. Confira:

Casa e Comida – Você falou da dificuldade da simplicidade. Acha que isso pode ser uma tendência gastronômica?
Alex Atala –
 Não. Na verdade, esse é o momento que eu, particularmente, estou vivendo. Hoje nós estamos trabalhando com isso. De tempos em tempos, nos apaixonamos por alguma coisa. Eu me apaixono por várias coisas na vida e, hoje, para mim, é isto: menos é mais. Só que para chegar a esse “menos”, as peripécias são grandes.


CC – A criação de um prato, para você, é todo um processo de experiências, descobertas e estudos. Há algum prato específico, cuja elaboração foi mais marcante?
AA –
 Acredito que não. A gente gosta de todos. Fica difícil escolher um. Então, não tem uma receita, mas, sim, momentos, como os últimos anos do D.O.M., trabalhando sobre o terroir (palavra francesa que se refere a tudo o que vem da terra) amazônico, que tem sido um foco desde 2005. É uma mensagem que ficou grande, se aprofundou, cruzou fronteiras.

CC – Como assim?
AA –
 Para mim, é importante fazer essas coisas que eu falei para vocês há pouco: eu consigo colocar um sabor numa imagem que havia na sua cabeça e te fazer entender isso quando eu falo da mussarela e do tomate, por exemplo, e vocês já se lembram da Itália. Então, não tenho uma receita preferida, mas essa reflexão é uma coisa que sempre vou guardar com carinho. É muito mais na cabeça do que no prato.

CC – Recentemente você foi eleito um dos melhores chefs do mundo pelo Madrid Fusión (um dos grupos gastronômicos mais importantes do mundo). Como foi receber a notícia?
AA –
 O que posso dizer é que fiquei feliz da vida. É ótimo, mas eu tento não pensar muito nisso. Eu costumo dizer o seguinte: é como bebida. A gente toma um gole e é incrível, mas é preciso cuidado para não beber muito e ficar embriagado.

CC – O que não pode faltar na sua cozinha?
AA –
 Sal.

CC – Você cozinha em casa?
AA –
 Eu passo seis dias por semana num restaurante, então, não. É quase como você em relação ao computador. Você deve chegar à sua casa e não querer ligar o seu de jeito nenhum (risos). Mas eu cozinho de vez em quando, apenas o básico. 



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