sábado, 26 de fevereiro de 2011

História da Gastronomia - Onde tudo começou

PRÉ-HISTÓRIA – TUDO COMEÇA AQUI

Segundo o dicionário Aurélio, o termo “gastronomia” significa
(gastro- + -nomia)
s. f.
1. Conhecimento de tudo que se relaciona com a cozinha, com o arranjo das refeições, com a arte de saborear e apreciar as iguarias.
Gastronomia molecular: ciência que estuda os processos físicos e químicos que intervêm na preparação de alimentos e que investiga técnicas de confecção.

Acreditam, os cientistas modernos, que a Terra teria se formado há cerca de cinco bilhões de anos. Mas somente há 3,5 milhões de anos é que surgiram os primeiros mamíferos semelhantes ao homem, e que já caminhavam em dois pés.
Desse momento em diante, o homem teve suas mãos livres e, com a criação dos mais diversos tipos de armas – arpões, lanças com bicos envenenados, redes de pesca, arcos, flechas, armadilhas –, pôde ampliar considerável e até espantosamente sua dieta alimentar. O início da caça à rena, à cabra, ao porco, à galinha fez com que o homem deixasse de se alimentar apenas de vegetais. A descoberta da caça deu ao homem a carne para alimentar-se e a pele para proteger-se do frio.
Essa descoberta da alimentação carnívora fez com que o homem precisasse das relações de grupo, pois assim ficava mais fácil caçar a presa e dividi-la em porções menores para poder devorá-la. Franco diz (2004, p.22):

A tendência humana de compartilhar alimento (...) teria se originado quando o homem desenvolveu a capacidade de matar grandes presas. (...) Desconhecendo ainda outros métodos de conservação, além da cocção, via-se obrigado a consumir a caça com certa rapidez. Isso o induziria a dividir com outros caçadores e famílias o produto do seu trabalho. (...) A associação entre caçadores, na busca de presas maiores, criou também a necessidade de um sistema complexo de sinais, que fez com que se desenvolvesse a linguagem vocal.

Seria possível imaginar que o estudo da história da gastronomia se encontraria com o início do desenvolvimento da fala, e teria com o mesmo uma íntima relação? Como outras conseqüências da dieta carnívora para o homem temos o habituar-se ao sal encontrado na carne e, de maneira bem menos apreciável, o canibalismo.

DESCOBERTA DO FOGO

Com a descoberta do fogo, há cerca de 1,5 milhão de anos, a caça e a pesca deixaram de ser comidas cruas e passaram a ser assadas em espetos sobre chamas ou brasas.
“O fogo foi o primeiro tempero descoberto pelo homem, já que o sabor de uma comida depende da temperatura em que ela é consumida.” (LEAL, 1998, p.17)
Entretanto, existem teorias de que o homem teria cozido seus alimentos antes mesmo de descobrir o fogo, como explica Ariovaldo Franco (2004, p.17):
Paleontólogos acham provável que o proto-homem, mesmo antes de descobrir o fogo, tenha associado o calor proveniente de fontes termais e gêiseres ao de suas próprias presas e ao de seu próprio corpo. Em decorrência, teria cozido a caça em tais fontes de calor, numa tentativa bem-sucedida de devolver-lhe temperatura e sabor de presa recém-abatida.
O fogo, além do cozimento nas fontes termais, ofereceu novas possibilidades de conservar os diversos tipos de alimentos, pois o homem já havia percebido que os alimentos estragavam e se deterioravam no ar e no calor, ficando sem suas propriedades nutritivas. O homem descobriu com o fogo que os cereais poderiam ser torrados sobre as brasas na pedra e as carnes, aves e pescados poderiam passar pelo processo de defumação ou serem secos por exposição ao calor do fogo ou do sol.

AGRICULTURA E DOMESTICAÇÃO DE ANIMAIS

Para o homem pré-histórico, uma das descobertas mais fundamentais e importantes foi a de cultivar a terra e tirar dela os alimentos para seu sustento.
Com o crescimento do número de pessoas atrás de caça para se alimentar, houve uma grande escassez de presas e foi necessária a busca de uma nova forma de sobrevivência. Foi a partir daí que se deu a descoberta do plantio e da colheita de alimentos. Esse novo conceito deu a possibilidade ao homem, e até forçou-o, a se fixar num só local, abandonando a vida nômade que levava até então indo atrás de caças.
Estando o homem fixo em determinado lugar, “as presas que eram capturadas passaram a ser mantidas vivas durante certo tempo, para garantirem um abastecimento prolongado de carne fresca. E assim teve início a domesticação de animais.” (LEAL, 1998, p. 18)
Essa ligação do homem com o solo e o fato de estar fixo em uma só localidade fizeram com que se desenvolvessem mobiliários para dormir, sentar, comer, guardar alimentos... 
Nesse contexto surgiram os grupos; os vizinhos; o comércio; as aldeias e, mais tarde, as cidades. Foi também nesse momento histórico, com a criação dos utensílios de cerâmica, que o homem começou a culinária propriamente dita, cozinhando os alimentos e condimentando-os com ervas aromáticas. (LEAL, 1998, p. 19) 
Assim nasceu o caldo substancial – caça misturada com cereais, batatas e outros tubérculos servido com pão, trigo, milho ou farinha – alimentação peculiar e diária dos agricultores de então.
Dessa fase foi um passo para se chegar nas sopas, nas papas, nos mingaus, pirões, purês e bebidas aquecidas. Surgiu também a bebida fermentada à base de raízes e o vinho de framboesa, amora e cereja.
Foi também nesse período que se deu a descoberta do sal extraído das ardósias e a confecção do forno de barro compactado. Com a utilização da argila, inventou-se o forno de barro compactado.”

IDADE ANTIGA – POVOS DOS GRANDES BANQUETES

O pão começou a ser produzido há mais de dois mil anos na Idade Antiga pelos egípcios e foi, por muitos anos, a base da alimentação de todas as classes sociais da civilização ocidental.
Autores como Franco e Leal são unânimes em afirmar que entre os gregos, por muito tempo o principal alimento foi o peixe, conseqüência do extenso litoral e do solo não próprio para agricultura. Acompanhavam o peixe alimentos como o centeio, o arroz e a aveia e condimentos como a sálvia, o tomilho, o alho-poró, a cebolinha, a alcaparra, a raiz forte e o coentro. Para os ricos também serviam-se bois, carneiros, cabras e porcos. Queijos de leite de cabra e de ovelha também eram muito consumidos.
Da pastelaria grega participaram trigo, mel, azeite, pinhões, tâmaras, amêndoas e sementes de papoula. Como bebidas tinham leite, vinho – ao qual quase sempre se adicionava água – e misturas à base de mel. Usavam caçarolas de bronze ou metais preciosos sempre decorados.
Já entre os romanos, os hábeis cozinheiros dos banquetes eram pessoas muito importantes, reconhecidas como artistas e recebiam altos salários. Foram os pioneiros na figura do chef de cozinha. “Ter um bom cozinheiro era símbolo de ascensão social.” (FRANCO, 2004, p. 41) 
Leal revela os ingredientes presentes nas refeições romanas (1998, p.26):
Nas mesas romanas era comum aparecer frangos, patos, gansos, galinhas d’angola e pavões; pássaros silvestres como codornas, perdizes, gralhas, avestruzes, flamingos, garças e papagaios; peixes, rãs, mexilhões, ouriços e ostras. E, finalmente, as frutas como cereja, abricó, limão e melão.
Romanos e gregos eram hábeis em picadinhos, almôndegas e croquetes, preferência que se explique talvez pelo fato dos homens comerem reclinados  (às mulheres não era conveniente). O leite coalhado de cabra também era muito apreciado.
Entre os banquetes romanos – principais acontecimentos da vida social então – já observavam-se rigorosas regras de precedência entre os convidados. “O anfitrião reclinava-se no leito central e, à sua direita, o convidado de honra, como ainda hoje é praxe em nossas mesas.” (FRANCO, 2004, p. 43) Foi o início dos princípios de Etiqueta. 
O banquete se compunha de três etapas. Gustatio, mensae primae e mensae secundae equivalentes aos atuais aperitivo, refeição e sobremesa.

IDADE MÉDIA – TRADIÇÃO GASTRONÔMICA DOS MOSTEIROS

Na Idade Média, período de senhores feudais e servos em que a Igreja era poderosíssima, foram os monges que, com o conhecimento herdado dos romanos, cultivaram uva, maçã e malte para o vinho, a cidra e a cerveja respectivamente. Desenvolveram também a jardinagem, exploraram minas de sal, praticaram a pecuária, curtiram o couro e aprimoraram a conservação de alimentos. Eram os monges ainda que se ocupavam da fabricação do pão. (LEAL, 1998, p. 30)
Juntamente a essas atividades, desenvolvia-se a pesca no Oceano Atlântico, especialmente, do arenque que era salgado e vendido. Na Idade Média o peixe foi um alimento largamente consumido pois, além de barato, era muito presente na dieta dos cristãos que não comiam carne em diversas datas especiais. Era comum em mosteiros e castelos de ricos viveiros de salmões e trutas.
Abusava-se, nesta época, de temperos e especiarias como pimenta, noz-moscada, gengibre, canela, cravo, sementes de girassol, cominho, hortelã, cebolinha, anis e açafrão. Grande parte destas especiarias foi trazida pelas Cruzadas européias ao Oriente. As frutas mais abundantes eram maçãs e pêras.
Nas festas, vitelas, cabritos, veados e javalis eram servidos com aves como cisnes, gansos, pavões, perdizes e galos. Comiam-se frutas frescas antes da refeição e salgadinhos e doces entre um prato e outro.
No século XIII com a redescoberta dos guisados – haviam sido deixados de lado com o advento das grandes lareiras na Idade Média –, os molhos começaram a ser mais utilizados, elaborados com pimenta e açúcar. Salsicha, vinagre, mostarda, caldeirada de lebre, feijão com carneiro, alcachofra e caldeirada de peixes de água doce são exemplos de comidas deste período. 
Entre os povos do Oriente, nesse mesmo momento de Idade Média, os ricos comiam sempre carneiros, tâmaras, berinjelas, iogurtes, sorvetes e melões. O vinho, sendo proibido pelo Islamismo, fez com que os orientais bebessem muito café doce e forte, o Vinho do Islã, como ficou conhecido. (LEAL, 1998, p.33)
Pepinos, pimentões, cebolas e aspargos eram transformados em conserva com vinagre pelos orientais. Rosas, violetas e frutas viravam geléias. Amêndoas, mel e nougat, por sua vez, viravam bolos.
A técnica da destilação já era utilizada e propiciou o preparo de aguardentes e vinhos fortificados. E a massa de farinha de trigo ou soja, que deu origem aos talharins e espaguetes, já era preparada pelos chineses. Assim como o macarrão, generalizando desta forma a massa em tiras, o arroz também foi trazido da Ásia.

IDADE MODERNA – AS GRANDES INOVAÇÕES

Facas e colheres são utensílios que o homem utiliza desde a Pré-História mas o garfo só apareceu depois e com a finalidade de fixar os alimentos e não levá-los à boca. Foi nesse período, na Idade Moderna, que o uso de talheres se generalizou. (LEAL, 1998, p.35)
Este momento histórico foi marcado também pelas grandes navegações e pela “descoberta” da América por Colombo e do Brasil por Cabral, o que resultou num intercâmbio enriquecedor de alimentos e receitas.
Do Brasil para a Ásia foram levados pelos portugueses: milho, agrião, mandioca, batata-doce, repolho, pimentão, abacaxi, goiaba, caju, maracujá, mamão e tabaco.
Da Ásia para o Brasil vieram: cana-de-açúcar, arroz, laranja, manga, tangerina, chá, lírios, rosas, crisântemos, camélias e porcelanas.
Alguma adaptação sempre ocorria na receita importada com o acréscimo ou substituição por um ingrediente local como os doces portugueses, de amêndoas originalmente, passando a ser feitos com amendoins no Brasil. (LEAL, 1998, p.38)
Da África vieram banana, inhame, pimenta malagueta, erva-doce, quiabo, galinha d’angola, palmeira do dendê, melancia e coco.
Da América para a África foram farinha de mandioca, caju, peru e amendoim. E para a Europa foram batata, feijão, abóbora, amendoim, pimentão, baunilha, abacate e o cacau que os espanhóis transformaram em chocolate – famoso mundialmente e muito apreciado até os dias atuais. Fazendo a viagem contrária, os ovinos e bovinos vinham da Europa para a América. 
A batata se tornou base da alimentação de muitos países europeus com exceção da Itália que, pelo costume de comer pasta, arroz ou polenta – principais fontes de amido da dieta italiana – fez com que a batata jamais tivesse a importância que assumiu em outras partes do mundo.
Uma sociedade mais refinada é o que se observa na Idade Moderna, com o hábito de lavar as mãos antes de comer, usar talheres e guardanapos.
Os temperos eram usados mais moderadamente mas os aromáticos iam às massas, aos ensopados e às bebidas. Sua junção à aguardente que tinha um gosto ruim devido ao processo de destilação originou o licor na França à base de pétalas de rosa ou violeta, flores de laranjeira, essência de alecrim, angélica, anis e frutas.  (LEAL, 1998, p.35)

DOMÍNIO DOS DOCES E DOS CAFÉS

Foi no final do século XVII que o costume de se colocar todos os pratos ao mesmo tempo na mesa foi abandonado e uma determinada ordem era seguida no momento de servir os pratos: sopa, entrada, assado, salada e sobremesa – esta última revolucionada pelo sorvete neste período.
Os talheres eram tidos como objetos de uso pessoal e cada um possuía o seu próprio estojo que era levado no bolso para o caso em que o anfitrião não tivesse talheres para os convidados.
Em meados do século XVII um visitante oriental levou o café à França e casas de café, rapidamente, encheram Paris e toda a Europa. Na Inglaterra os cafés estavam se tornando centros de cultura até o governo inglês, visando aumentar o comércio com o Oriente, fez com que o preço do chá ficasse muito mais baixo que o do café, levando o consumo de chá às alturas e o café ao declínio. Diferentemente dos chineses, os ingleses bebiam o chá sempre adoçado.
Neste mesmo período houve a consagração do peru sobre o ganso e o pato nas festividades na Europa, e também a chegada do grande fogão de cozinha com doze a vinte bocas, em substituição ao fogão a lenha e ao braseiro de carvão, tornando possível o cozimento lento.
Esta fase protagonizou também outras grandes novidades da gastronomia que foram o Champagne e o vinho branco dos alemães.
Na fase de evolução da cozinha francesa, enfatiza-se o uso da manteiga, desaparecem os molhos de sabor forte e ácido, o vinagre é usado com moderação, o açúcar não é mais utilizado em pratos salgados ou molhos e há um predomínio do molho branco, rico em manteiga, marcando a culinária francesa. (FRANCO, 2004, p. 166)
Os costumes da França se espalharam por outros países da Europa. E foi a mesma França que presenciou, em Paris, o surgimento do primeiro restaurante – um estabelecimento pequeno que tinha as sopas como prato a ser comercializado. Pouco mais tarde, o La Grande Taverne de Londres despontou também em Paris como restaurante de luxo oferecendo serviços à la carte. O principal diferencial dos restaurantes em relação aos seus antecessores – cabarets, albergues e tavernas – era a limpeza, a tranqüilidade, o espaço e a decoração aprimorada. (FRANCO, 2004, p. 207)

IDADE CONTEMPORÂNEA – APERFEIÇOANDO

Neste contexto histórico se dá a Revolução Francesa, com a presença do Imperador Napoleão Bonaparte e o Império Napoleônico cuja principal contribuição à gastronomia foi o alto prêmio oferecido a quem criasse uma técnica que conservasse alimentos por longo tempo. Sua motivação para tanto era a preocupação com a boa alimentação de seu exército. Tal ato resultou no surgimento da conserva em vidro, que evoluiu para os enlatados, dando grande impulso à industria. (LEAL, 1998, p. 50)
Assim como também descreve Franco (2004, p. 216):
Desde que desenvolveu sua capacidade de acumular alimentos com a prática da agricultura, a humanidade deparou-se com o problema de preservá-los. Por muitos séculos, os métodos de conservação de alimentos se limitaram à secagem ao sol, à defumação, à salgadura e à utilização do vinagre e do açúcar. Essas técnicas, além de implicarem perda do sabor original dos alimentos, destituíam-nos de seu valor nutritivo.
Depois da técnica dos enlatados veio ainda a técnica da pasteurização. Juntas essas inovações abriram e ampliaram em muito os caminhos para a indústria dos alimentos.

COZINHA BURGUESA

O uso de menus começou a se difundir pelos restaurantes europeus e, diferentemente do século anterior em que tinham a única utilidade de informar o que seria servido, nesta fase já servia para mostrar as opções de pratos oferecidos pelo estabelecimento.
Destaca-se desse período a implantação do serviço à francesa, no qual cada prato é servido somente uma vez.
As cozinhas neste momento já contavam com fogão de ferro fundido e geladeira e o fogão a gás já havia sido lançado. Franco explica essa evolução (2004, p. 206):
Até o começo do século XVIII, a preparação dos alimentos era feita sobre fogo de lenha e braseiros de carvão vegetal. Construía-se nas cozinhas um fogão chamado potager, com várias bocas. Esse tipo foi sendo substituído por um fogão de ferro fundido, geralmente aquecido por carvão mineral.

A INTERNACIONALIZAÇÃO DA COZINHA

As receitas francesas foram difundidas pelo mundo todo e os grandes chefs franceses também foram a diversas partes do mundo para mostrar e compartilhar seus conhecimentos gastronômicos inclusive abrindo filiais de famosos restaurantes em grandes hotéis.
Esses restaurantes normalmente ofereciam alguns pratos regionais, típicos do país onde se instalavam; algumas massas à moda italiana; alguns pratos de carne à inglesa; algum prato americano e uma gama enorme de opções de pratos franceses. Foi essa fusão que, no século XX fez nascer a cozinha internacional.
A cozinha internacional facilita aos viajantes, turistas ou não, a alimentação uma vez que oferecem pratos que são de sabor conhecido mesmo que a pessoa esteja muito longe do local de origem da comida. Esse tipo de integração propicia a comunicação e compreensão entre os povos e, assim, a cozinha internacional é muito bem aceita entre as pessoas.
Ao mesmo tempo em que a cozinha internacional ia se firmando, uma grande importância e atenção começaram a ser dispensadas por parte dos diferentes países do mundo aos seus pratos regionais, gerando a criação e propagação de incontáveis restaurantes e livros de receitas especializadas em cozinha francesa, italiana, chinesa, japonesa, alemã, portuguesa, entre outros.
Após a Primeira Guerra Mundial, a Europa perde a sua superioridade e quem assume a posição principal são os Estados Unidos da América. 
Os utensílios de cozinha que eram feitos de cobre passaram a ser feitos de alumínio ou metal inoxidável, o gás e a eletricidade possibilitaram o funcionamento dos fogões, liquidificadores, batedeiras e aparelhos de conservação de alimentos.
Tais mudanças na cozinha somadas ao avanço tecnológico nos meios de transportes, o desenvolvimento da indústria de alimentos e das técnicas de conservação foram responsáveis por significativas mudanças nos costumes alimentares entre os europeus e os americanos. As refeições tipo fast food, self service e os restaurantes que produziam alimentos em massa, como as pizzarias, começaram a ocupar a preferência das pessoas.

DESCOBRIMENTO DO BRASIL – CONFRONTOS

A demanda do mundo ocidental pelas especiarias orientais foi a responsável por aventuras que levariam o homem a dar volta ao mundo e a descoberta de novas terras e novos povos. 
Quando os portugueses chegaram ao Brasil, a população indígena que aqui vivia já havia desenvolvido seu próprio meio de sobrevivência e sua própria cultura alimentar. Aproveitando-se do que dispunham naturalmente, iam criando pratos que satisfizessem suas necessidades nutritivas.
Cada sociedade tem seu alimento básico, geralmente um carboidrato, que assegura a sensação de saciedade esperada de cada refeição. (FRANCO, 2004, p.26) 
A mandioca era esse alimento base e compunha muitos dos alimentos que sustentavam os brasileiros de então, com a qual faziam o beiju e a farinha. Esta última comia-se muito. Como prato único e completo ou acompanhando peixes, frutas, caldos, etc. Era indispensável ao indígena brasileiro. Adicionando o caldo gordo quente sobre a farinha de mandioca seca, os indígenas tinham o pirão escaldado. (LEAL, 1998, p. 66)
Além disso, também fazia parte da dieta indígena de então outros alimentos como o aipim, a batata, a abóbora, o feijão, a fava, o amendoim, o cará e o milho. Este último tido mais como forma de guloseima que como alimento propriamente dito. Já o amendoim era muitíssimo apreciado e era ingerido cru, assado ou cozido.
O hábito de plantar frutas não era comum entre os indígenas, já que dispunham fartamente de uma grande oferta natural: abacaxi, goiaba, cajá, maracujá, imbu, mamão, mangaba, caju entre outras. Caldos, bebidas e mingaus eram feitos com o cozimento da banana-da-terra ou pacova.
Um outro alimento base da dieta indígena eram os peixes que se aproveitavam cozidos ou assados. Curiosamente, quando eram assados inteiros não eram esvaziados e nem escamados antes. Produzia-se também dos peixes a farinha. Já com relação às caças, eram assadas com o couro e comidas semicruas. (LEAL, 1998, p. 67)
Hora determinada para as refeições não era parte da cultura indígena. Os índios se alimentavam quando sentiam necessidade. Sua preferência era o alimento assado ou tostado ao cozido e a fritura não era uma técnica conhecida. Os alimentos eram preparados separadamente, em recipientes distintos, ainda que fossem para ser comidos misturados.
Um outro elemento essencial para os índios era um condimento: a pimenta. Comia-se verde ou madura; misturada com pescados ou legumes; ou ainda inteira ou amassada com farinha. Era, por si só, um alimento completo.
Já se via entre os índios a obtenção do sal pela retenção da água do mar ou pela queima da terra salitrosa e este sal com a pimenta transformava-se num molho especial que se acrescentava ao alimento somente no momento da ingestão para dar sabor. Com o alimento já na boca o índio colocava uma pitada do tal molho antes de mastigar e engolir a comida.
Panelas, espetos e moquéns – grelhas para assar sobre o fogo baixo o que deveria ser conservado – eram instrumentos já utilizados pelos índios na cozinha. Foi da prática dos índios de assarem nos espetos os peixes ou carnes a serem consumidos na hora, a origem do churrasco brasileiro.
Ainda uma outra técnica para assar os alimentos era utilizada, colocava-se num buraco na terra forrado com grandes folhas o alimento a ser assado e cobria-se também com folhas e terra, fazendo fogo sobre a cova.
As mulheres índias é que eram as responsáveis pela confecção das panelas, dos fornos de barro especiais e também pelo preparo das bebidas que eram feitas a partir da fermentação da mandioca, do aipim, da batata-doce e do milho. Fabricavam também o vinho de frutas como caju, ananás e jenipapo.
Havia também bebidas não fermentadas como a pamonha dissolvida em água, o xibé – uma mistura de farinha de mandioca com água – e a mistura deste com mel ou ovos de tartaruga que davam origem a novas bebidas. Existia ainda uma bebida feita com açaí amassado e farinha d’água. As bebidas dos índios sempre eram consumidas aquecidas. (LEAL, 1998, p. 69)

COLONIZAÇÃO DO BRASIL – NASCE A COZINHA BRASILEIRA

Da África vieram ao Brasil milhares de negros trazidos pelos portugueses para o trabalho escravo. Esses negros e os portugueses com suas famílias iam se misturando aos indígenas formando, desta maneira, o povo brasileiro. Nascia também desta mescla a cozinha brasileira, miscigenação das culinárias indígena e portuguesa e depois sofrendo influência também da culinária africana.

Quanto ao papel da cozinha portuguesa na formação da culinária brasileira, diz Gilberto Freire: “A base lusitana da cozinha brasileira é comum às demais cozinhas luso-tropicais – a oriental, a africana, a ameríndia –, condicionando diferentes expressões de simbioses nesse setor.” (FREIRE apud FRANCO, 2004, p. 197)  
Os portugueses trouxeram ao Brasil animais como bois, vacas, touros, ovelhas, cabras, carneiros, porcos, galinhas, patos, gansos e outros que criavam nos quintais e currais que faziam em suas fazendas.  Além disso foram os responsáveis por plantar uma enorme quantidade de frutas, legumes, vegetais, cereais e temperos. (LEAL, 1998, p. 71)
Foi nesse período que se desenvolveram os grandes engenhos de açúcar, as plantações de cana e as exportações do açúcar produzido para a Europa. 
Os negros, na condição de escravos, não podiam escolher quanto nem o que comer, por isso criava e adaptava de acordo com aquilo que lhes era oferecido como sustento. Com a farinha de mandioca adicionada ao caldo fervente descobriram o pirão. Depois, buscando aumentar a pequena porção que lhes era destinada, desenvolveram o pirão massapê que ganhou este nome por causa da coloração que a pimenta malagueta dava à mistura.
O milho também foi marcante na alimentação dos escravos negros e dele surgiram pratos como o angu – mingau mais consistente que o pirão – preparado com água e fubá. Vale ressaltar que angu e fubá são palavras que se infiltraram no vocabulário brasileiro pelos negros. Mas foi a mulher portuguesa quem mais deu vida a diferentes iguarias produzidas à base de milho. Bolos, canjicas e pudins são de sua autoria.
Plantado no Brasil pelos portugueses, o arroz só passou a ser largamente consumido no século XVIII e, ainda assim, na consistência de pirão com água e sal para acompanhar carnes e peixes. A partir da contribuição dos negros, dos índios e dos brancos inúmeros pratos de arroz começaram a ser criados como o arroz de haussá, arroz de forno, arroz de cuxá, arroz de piqui, arroz de carreteiro, entre outros. Em forma de doce temos ainda mingaus de arroz, bolos, pudins e o arroz doce feito de leite de gado ou coco. 
Atualmente mais da metade da humanidade come arroz diariamente. (FRANCO, 2004, p. 31) 
Os feijões, que já eram utilizados pelos indígenas antes da chegada dos descobridores e escravos, tiveram seu espaço na dieta de portugueses e negros mas foi bem depois disso que veio a se tornar integrante essencial à alimentação. 
À alimentação dos escravos de fazendas mais abastadas eram inclusos toucinho, carne-seca, peixe salgado, laranja e banana. Muitos alimentos, aliás, foram introduzidos no cardápio brasileiro provenientes da África a exemplo do quiabo, do inhame, da erva-doce, do gengibre, do açafrão, do gergelim, do amendoim africano, da melancia, do coco e da banana. Esta última, sendo considerada uma das maiores contribuições africanas às mesas brasileiras, eram comidas puras, com mel de cana ou de abelha, com açúcar mascavo ou com farinha.
Um outro tipo de farinha que os negros faziam era com a farinha de mandioca mais o gergelim torrado socando, no pilão, os dois componentes. Do coco, influenciado pelos portugueses, os negros começaram a utilizar o leite para adicionar ao cuscuz – massa feita com farinha de milho (ou mandioca, inhame, aipim, arroz), sal, cozida no vapor e regada com leite de coco.
Os escravos eram amantes da carne de caça, de peixe, dos crustáceos e dos moluscos. Raramente matavam cabras, porcos, ovelhas ou carneiros senão para venda. Nesses casos, aproveitavam as vísceras fritas, assadas ou cozidas no feijão e o tutano dos ossos, desprezando a língua e os miolos. (LEAL, 1998, p. 76)
Não gostavam de leite, considerado alimento infantil, a menos que em forma de coalhada ou misturado com abóbora, batata ou farinha. Assim como os índios, não comia galinhas nem ovos e nem mesmo os pratos preparados com eles. 
Os portugueses, por sua vez, usavam e abusavam dos ovos, preparando-os das mais variadas maneiras: cozidos, fritos, moles, quentes e acrescentando a pratos indígenas tais como canjicas, mingaus e papas. E as mulheres portuguesas, aproveitando também do açúcar abundante dos engenhos, começaram a criar incontáveis tipos das mais variadas sobremesas.
Com os amendoins e as castanhas dos cajus as portuguesas faziam os doces que originalmente levavam amêndoas e pinhões em sua receita. Os cajus e as bananas-da-terra, cozidos com açúcar e canela ou secos ao sol, também davam deliciosas iguarias. 
As massas de frutas ou marmeladas – porque inicialmente eram preparadas com o marmelo – passaram a ser feitas de uma enormidade de frutas como caju, banana, abacaxi, araçá, goiaba, oiti e curuanha. 
O pão-de-ló ganhou surpreendente popularidade no Brasil e é um doce português. Para os negros sobravam os melaços, que era o mel da cana, a rapadura e o açúcar mascavo ou ainda a garapa – caldo da cana – que preparavam com água e melaço, podendo acrescentar suco de limão ou laranja. Com a farinha também se comia o mel da cana.
Nas áreas alagadas, quem possuía escravos trabalhando, enriquecia sua alimentação com alhos e cachaça para evitar a malária e doenças respiratórias. Entrando no mérito da cachaça, ela apareceu no Brasil com a indústria do açúcar e a destilação da aguardente aproveitando o mel da cana.
A pimenta era apreciada pelas três etnias formadoras do povo brasileiro, portugueses, negros e índios, o molho que os indígenas já faziam, foi aprimorado amassando no pilão a pimenta com sal. Herança dos negros foi o gosto pelo azeite de dendê, já as mulheres portuguesas usavam muito o azeite doce trazido de Portugal.

BRASIL SE LIBERTA DE PORTUGAL – COZINHA BRASILEIRA SE FIRMA

Durante os encontros e reuniões dos movimentos de revolta contra o domínio dos portugueses em nosso país, a cachaça sempre esteve presente como grande animadora, assim como a farinha de mandioca simbolizando os elementos nacionais. Pães portugueses, vinhos, presuntos, farinhas de trigo e azeites de oliveiras eram terminantemente proibidos na mesa de quem queria ver o Brasil livre. Uma forma de protesto, símbolo de rebeldia e conspiração.
A produção do açúcar estava em decadência e crescia a busca pelo ouro e pedras preciosas pelo Brasil. Grandes fazendeiros decidiram apostar seus investimentos no café e não se arrependeram. 
Temendo a invasão de Napoleão a Portugal, o Príncipe D. João fugiu para o Brasil com uma caravana de aproximadamente quinze mil pessoas. Isso motivou com que muitos ingredientes de Portugal viessem ao Brasil para servir à corte como agradasse. Espécies brasileiras como o macuco, a galinhola, o marreco, a paca, o veado, a anta, a cutia e o porco-do-mato foram valorizadas. Novos alimentos surgiram como a carne de fumeiro, os embutidos e as frutas cristalizadas feitas com variedades brasileiras. O pão de trigo se tornou mais comum e usual e os cardápios passaram a incluir saladas.
As bebidas apresentavam exemplares do vinho português, do champagne e, o que mais se popularizava, a cerveja. Havia também o aluá feito da fermentação da casca do abacaxi.
A alimentação brasileira se diversificava com os vinhos franceses, cervejas, patês de foiegras, conservas, queijos, doces, novas frutas, licores ardentes e adocicados. Chá era bebida para ricos e o cacau exportado voltava como chocolate. Originaram-se as confeitarias, sorveterias e os primeiros restaurantes italianos e franceses.
O café tinha sua produção em alta e chegou a ser o produto mais exportado do Brasil e, naturalmente, seu uso se espalhou também internamente, chegando a dar nome à primeira refeição do dia. (LEAL, 1998, p. 86)
Depois da proibição do tráfico de escravos, começou-se a incentivar a vinda de europeus para trabalhar nos cafezais e, desta forma, outros povos com seus hábitos e costumes começaram a influenciar a cozinha brasileira. Os italianos foram campeões nessa contribuição à culinária com os molhos – pesto e bolonhesa, por exemplo –, com as sopas como o minestrone, com as polentas, nhoques, carnes à milanesa, panetones, risotos, berinjelas picantes e pizzas que aqui se popularizaram muito e sofreram variações e adaptações.
Também foi nessa época que os costumes americanos começaram a se difundir. O jantar à americana no qual cada um se serve à vontade depois vai sentar-se onde quiser tornou-se mais freqüente.
Do feijão brasileiro com carne-seca e toucinho mais o cozido que chegou de Portugal surgiu a feijoada, prato peculiarmente brasileiro e famoso mundialmente nos dias atuais.
No século XIX surgiram novos temperos e condimentos como o tomate, vindo da América Central não sendo bem aceito na cozinha brasileira neste momento. Era um período em que não se tinha o costume de usar toalhas nas mesas de refeições e os talheres eram revezados e só se usavam algumas facas e colheres.

GASTRONOMIA NO MUNDO DE HOJE – GLOBALIZAÇÃO

Na atualidade, os segredos da culinária tem corrido velozmente de uma região à outra eliminando todas as barreiras. Desafia-se a natureza criando e cultivando em todas as partes do mundo todo tipo de animal, fruta ou vegetal adaptados às condições locais ou em ambientes artificiais.
Alguns produtos já se tornaram de caráter universal como é o caso do açúcar, do trigo e do café, por exemplo, sem falar nos temperos e condimentos variados. Isto faz com que seja possível comer quase todas as coisas em qualquer lugar.
A indústria dos alimentos foi impulsionada por arrojadas técnicas de conservação de alimentos como a refrigeração e enlatamento, possibilitando o comércio e exportação de uma enormidade de produtos dos mais variados tipos para praticamente todos os lugares.
Com os meios de transportes cada vez mais eficazes, um ingrediente de um país pode chegar rapidamente e literalmente ao outro lado do mundo. Os meios de comunicação em extrema modernidade e velocidade interligando as diversas partes do planeta com divulgações quase que instantâneas sobre usos, costumes e receitas culinárias.
As viagens migratórias dos povos com seus hábitos alimentares e culinários com receitas e ingredientes também cooperam para este efeito globalizador mundialmente percebido que atua nas mais diversas áreas do conhecimento e da cultura incluindo a gastronomia.

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